quinta-feira, 10 de junho de 2010

Outro Olhar

Inversão de Papéis
Por Thatiane Ferrari
Em uma nova etapa da vida,
idosos buscam auxílio ou independência.

Conhecidos por serem a grande base da estrutura familiar, muitos idosos atingem uma fase onde precisam de cuidados especiais e, é nesta hora de cuidar de quem cuidou deles, que muitas famílias modernas e sem tempo tomam decisões que marcarão o final de toda uma trajetória e uma mudança total em suas vidas.

Mesmo com a criação do Estatuto do Idoso, a população ainda está aprendendo a lidar com o envelhecimento. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa média de vida da sociedade brasileira cresceu 3,3 % de 1998 a 2008, atingindo a marca de 73 anos, o que acaba gerando uma atenção para a qualidade de vida dessas pessoas.

O respeito e a consciência dos direitos da terceira idade devem ser inseridos culturalmente, pois projeções da Organização Mundial de Saúde ( OMS) prevê que em 2025, pela primeira vez na história, teremos mais idosos que crianças no planeta. Aqui no Brasil, eles já representam hoje 8,6% de toda a população do país.

Um dia todos nós, ficaremos idosos. E o que parece ser óbvio e uma relação natural da vida, para muitos, envelhecer é um grande conflito.“Os idosos carregam a expectativa de receberem atenção e cuidados dos filhos e netos no momento em que perderem ou tiverem suas capacidades diminuídas, mas há uma ambigüidade, pois ao mesmo tempo que esperam ser cuidados, também apresentam um sentimento de culpa em momentos que acreditam ser um fardo para os seus familiares; por isso, em geral os idosos tentam ser cada vez mais ativos, evitando o sentimento de dependência da família”, afirma Ricardo Schers, doutorando em Psicologia (USP).

A aposentada Maria José Lomba de 86 anos, sofreu há cinco, uma crise de AVC que resultou em uma patologia chamada Hidrocefalia da Pressão Normal, espécie de demência leve. Mesmo tendo cinco filhos, Maria José só pôde contar com o auxílio de dois que se dividem nas tarefas e tratamentos geriátricos. Seu neto, Bruno Vicente, professor universitário de 27 anos, conta que o dia-a-dia da família teve de passar por muitas adaptações “ Diversos controles de medicamentos, mudança de quarto, rotina de horários, cancelamento de viagens ...”. Ele, que sempre esteve acostumado a ver sua vó ativa, esperta e brincalhona, notou que, com a chegada da velhice, houve uma mudança psicológica brusca.

Muitos idosos acabam nesta fase apresentando sinais de depressão e cabe a família ajudar a mudar este quadro. “É importante a integração e o convívio com outras pessoas e com o mundo; dessa forma podemos resgatar esse idoso para sua rotina de atividades. A atenção e o cuidado são essenciais durante o tratamento da depressão”, afirma Thays Martins Vital, pesquisadora em Ciência da Motricidade da Universidade Estadual Paulista ( UNESP). Mesmo com os desafios de cuidar de um idoso em casa, Bruno e seus familiares não pensam abrigá-la em um asilo “Nada supera o carinho e amor dos parentes”.

A interação dos idosos com pessoas da mesma faixa etária, é visto por muitos profissionais como uma forma saudável “na medida em que se estabelece uma articulação entre os sujeitos do grupo que tem uma mesma faixa etária, há um sentimento de pertencimento deste grupo que possibilita a aprendizagem e, conseqüentemente, a apreensão da realidade. O vínculo é condição básica para o sucesso do grupo, pois é quando um sujeito se torna significativo para o outro”, confirma Ricardo Schers.


Além do Teto

As camas arrumadas, distribuídas pelo amplo quarto, já revelam a organização do lar.

Com o auxílio do terceiro setor, alguns dos asilos existentes hoje possuem uma estrutura organizacional de trabalhadores e voluntários que suprem as necessidades da maior idade, destruindo o estereótipo de maus tratos e falta de alegria. “ Eles passeiam mais do que eu; já foram em vários lugares que eu nunca fui, até no Circo lá de Soleil” , brinca Cidinha, representante da Diretoria da Associação Espírita Beneficiente Drº Bezerra de Menezes – Abrigo da Velhice Desamparada que assiste cerca de 200 idosos em duas unidades na região Leste da cidade de São Paulo.

O asilo que vive somente de doações, atende pessoas maiores de 65 anos, não acamados, que passam por uma triagem que envolve condições físicas, psicológicas e sociais com entrevistas e visitas dos diretores no local aonde vive o idoso. A idéia é verificar a real necessidade e a urgência de cada caso, sendo a carência o fator decisivo “Porque, se em um mês vem um, e o outro vem ontem e surgir uma vaga, a gente vai ver quem não tem pensão, INSS... Se o último não tem, ele precisa mais. Se o outro tem, o último passa na frente”, afirma Cidinha que aponta também para o fato de idosos sem família que acabam sendo indicados para o abrigo por vizinhos “Essa é a preocupação grande para as pessoas que moram sozinhas. Se passar mal, quem vai atender ?” .

O que muitas pessoas não sabem é que mesmo estando internados, os idosos com condições mentais e físicas têm permissão para saírem sozinhos, contanto que avisem o destino . No abrigo Drº Bezerra de Menezes, são servidas cinco refeições diárias e o que não falta são atividades. Além de equipes com médicos, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, eles contam também com aulas de artesanato, recreação, caminhadas em parques próximos, visitas de palhaços, corais e artistas que cantam e tocam nos finais de semanas. “A prática de atividades quando inserida em instituições de longa permanência podem reduzir os custos com o tratamento de diversas doenças. Os idosos passam a executar melhor suas atividades diárias exigindo, assim, menor cuidado de profissionais da área de saúde”, afirma Thays Vital.

A instituição possui também uma casa na praia oferecida como doação por voluntários. Além de excursões para lá que duram de três a sete dias, dependendo da vontade dos idosos, eles também frequentam cinemas, teatros, passeiam em shoppings e até almoçam por lá quando surge alguma doação.

Mesmo sendo uma instituição ligada ao Espiritismo, o abrigo ampara pessoas de qualquer religião, respeitando apenas o lugar comum, não aceitando a manifestações de cultos religiosos dentro do espaço. Os idosos que manifestam vontade de ir a igreja são levados de carro pelos funcionários.

Um dos maiores problemas da casa é espera por atendimento. Pessoas acamadas, com Parkinson e Alzheimer, tentam entrar na fila, porém atendê-los não está nos planos da instituição, já que os idosos assistidos hoje são possíveis acamados amanhã.

As visitas são realizadas todos os dias das 13 às 17 horas, e são abertas para todo o público, maior parte constituída por voluntários. Amigos e parentes raramente vão. A preservação deste vínculo familiar é um dos maiores desafios vividos pelo Lar. A assistente social liga para os filhos que moram longe e sempre avisa “ Olha, ele está sentindo sua falta, está triste. E já na internação mesmo falamos para os familiares, vocês têm que visitar, amparar para eles não se sentirem abandonados”, conta a representante do Abrigo.


Independência com Dignidade

Desde 2007, São Paulo possui a Vila dos Idosos, iniciativa da Prefeitura da cidade que construiu um conjunto habitacional totalmente projetado para a terceira idade. Todos os moradores passaram por um critério de seleção que exige maiores de 60 anos, com renda de 0 a 3 salários mínimos, sejam moradores da cidade nos últimos 4 anos e tenham autonomia e independência. Só para esta unidade foram 5 mil inscritos no processo.

É cobrado um aluguel social que varia de 10 a 15% da renda familiar onde já está agregado as despesas de luz, gás e condomínio.

São 145 moradias com 189 idosos que vieram de diversas partes da cidade. Muitos estavam morando no antigo Edifício São Vito, mais conhecido como Treme-Treme, localizado na região central da cidade e outros vieram de parcerias da Prefeitura com associação de moradores.

O nosso trabalho é realizar um acompanhamento social da renda familiar e a gestão condominial prezando pela convivência, o ambiente interno, saber se eles estão se adaptando. Se tem conflitos temos que interferir, temos que chamar a atenção”, explica Alzira, assistente social da Vila dos Idosos. O programa prevê a independência total dos idosos, porém, com os anos, o envelhecimento acaba resultando em debilidades que são atendidas por um acompanhamento do Programa de Atenção Integrada (PAI), para idosos que estão vulneráveis.

O ponto de encontro dos idosos pela manhã é no espelho d'água, localizado na área comum do edifício em meio a árvores e gramado. O conjunto possui sala de conveniência com livros, revistas e computador, sala de cinema, além de um salão de festas “Realizamos eventos através de parcerias, organizamos as comemorações de carnavais, festas juninas, noites italianas. Sempre tentamos bucar atividades para preencher o tempo vago deles”, conta Jordana, pedagoga que cuida do atendimento aos idosos da Vila e mantém um mural com imagens dos últimos eventos, sendo um dos mais marcantes a visita da atriz Nicette Bruno.

Os idosos que quiserem podem ter bichinhos de estimação desde que eles sejam de pequeno porte. Mesmo com tantos vizinhos, autonomia e independência, muitos ainda apresentam sintomas de depressão, que, sem acompanhamento específico, esperam por alunos voluntários de faculdades de psicologia. Para sanar isso, sempre são realizadas atividades e oficinas. Jordana conta sobre as parcerias “ Nós temos uma horta comunitária e os moradores têm acesso a tudo que é produzido. Temos oficinas de trico, bijuteria ... Cada mês fazemos um artesanato e temos jogos para os moradores que não gostam de oficinas, como dama, baralho, tudo para integrar o grupo”.

A iniciativa da Prefeitura em construir este complexo habitacional além de solucionar parte do problema da população, gerou prêmios. A Vila dos Idosos ganhou o 6º Prêmio CAIXA Melhores Práticas em Gestão Local que, com a premiação de 25 mil reais, também recebeu a indicação para outro prêmio, Best Practices and Local Leadership Programme”, instituído pelas Nações Unidas, de Dubai, Emirados Árabes.

Existem em processo dois projetos de edifícios que serão revitalizados para a implantação de novos conjuntos habitacionais, possivelmente na região do centro da cidade. Um deles será destinado à classe artística.

terça-feira, 8 de junho de 2010

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Crônica


Quando o coração silência

Cabelos brancos feito nuvens, bochechas rosa e mãos enrugadinhas. Dona Olga sempre foi ativa, italiana, falava alto e era forte como um touro. Mas a idade chegou e, com ela, as complicações físicas. Seu Genaro faleceu há 2 anos e ela tentava levar a vida como dava, porém depois que caiu no box do banheiro e quebrou o osso da bacia, essa tal vida já não era mais a mesma. Teve que deixar seu cantinho e ir morar na casa do único filho, dividindo o quarto com os dois netos já adultos. Naquela manhã, Dona Olga novamente acordou urinada, e por mais que tentasse esconder, sabia que a nora ficaria nervosa.


Depender de alguém para ir ao banheiro, tomar banho e comer... A idéia de ter voltado a ser uma criança a envergonhava.

A nora, quando viu no lençol a rodela amarela, ficou furiosa. Gritou que era a segunda vez na semana que era obrigada a lavar a roupa de cama da Dona Olga e perguntou o porquê que ela estava fazendo isso, como se fosse de propósito.

Decidiu que teria uma conversa séria com o marido e que uma decisão teria de ser tomada, afinal a mãe era dele e ela como nora não tinha que ter nenhuma responsabilidade sobre ela.

Dona Olga passou o dia quietinha na cadeira de rodas no quintal com o radinho no colo, esperando a chegada do filho

Ao chegar, Luís Gustavo ouviu as lamúrias da esposa e depois de discutir o destino da pobre senhora, decidiram que iriam colocar ela em um asilo e que o restante da aposentadoria serviria para fazer a tão esperada reforma na casa.

Sem pestanejar, a idosa foi para o asilo e lá permaneceu sempre olhando para a porta, esperando os sábados para receber a visita de seu filho. Esse dia nunca chegou.

E, então, por mistério ou patologia, ninguém sabe, Dona Olga nunca mais falou e o silêncio se fez presente no seu olhar cheio de rugas e traços de vida ...