quinta-feira, 12 de julho de 2012

Afago in”Verso”






Quando o performático Hélio Oiticica com sua obra penetrável “Tropicália” escandalizou a sociedade carioca com uma arte interativa e uma televisão fora do ar, mal sabia que estava dando pontapé inicial de um dos maiores movimentos culturais do país, o Tropicalismo.

Toda irreverência ácida contida na peça única serviu não apenas de inspiração para o nome, mas concedeu a tônica exata da estética para a quebra de um grande paradigma.

É neste contexto que em 1967, Caetano Veloso pesa a mão na escrita e compõe, com dedilhadas e sussurros, um hino que marcaria seu tempo. A repressão militar e as constantes perseguições aos artistas da época não calaram o músico, que ao contrário, criou na letra um afago inverso.

“Tropicália” canção do músico baiano trata de Brasília, critica o sistema, questiona valores. Colocando-se como centro do universo, Caetano ganha poderes utópicos contra os barões do governo. Acima dele, só os aviões.

Neste carnaval, como foliões errantes as letras T e A se escondem da grafia correta de bossa e palhoça. As sílabas ganham vida e orquestradas com maestria pela voz do poeta, disfarçam. Atentar-se a letra de Tropicália é como enchergar o que ninguém quer deixar ver . As metáforas confundem, a musicalidade da canção é um joguete da mente. 

Para ele, é como se nem as curvas projetadas por Niemeyer salvasse o Planalto Central. No centro do país, longe de tudo, escondida, branca e pálida está ela. Não tem porta e fica em uma rua antiga, estreita e torta. Não adianta bater, ninguém vai abrir.

Evidenciar a mulata (ta ta) , a Bahia (ia ia)  e a Iracema (ma ma)  é ocultar que as armas estão empunhadas, a dor pulsa e o alvo é constante. Como na obra originária de Oiticica, a televisão ganha destaque como o ópio que ilude e mascara a real verdade para a massa trabalhadora. Que tudo mais vá pro inferno, meu bem...

Talento, criatividade e ousadia. Quiçá soubesse que seria um dos maiores artistas do país.

A dama do tablado


Fernanda Montenegro conta sua trajetória artística, a vida familiar e o desafio de subir ao palco sem seu companheiro

O foco de luz branca ilumina cadeira solitária no meio do palco. É ali, no ambiente sagrado de sua profissão que Fernanda Montenegro, atriz ímpar do teatro brasileiro, irá festejar seus 80 anos, dedicados a tantas outras vidas.

Prestes a interpretar a célebre Simone de Beauvoir no monólogo "Viver Sem Tempos Mortos", Fernanda enfrenta um dos maiores desafios de sua trajetória, subir pela primeira vez ao palco sem a presença física de seu companheiro de tantas histórias, Fernando Torres.

Carregar vivências e memórias de tantas mulheres cômicas e trágicas na bagagem fez com que a menina Arlete, nome verdadeiro da atriz, aprendesse a domar suas emoções e seguisse da coxia aos holofotes do tablado.

"Eu carrego tudo das personagens, elas me formaram como um painel de experiências humanas", conta a dona do teatro nacional. Para seus filhos a genética herdada foi o amor pela arte que, como destino típico das tragédias gregas, encaminhou suas trajetórias para a mesma sina dos pais.

As rugas que rodeiam seus olhos marcados pelas oito décadas não apagam o brilho no olhar. Ao contrário. fortalecem a mulher que encara este novo momento da sua vida sem seu eterno "Sartre".